Sentença inédita condena motorista por homicídio doloso

Em sessão do último dia 14 de abril, o Tribunal do Júri da Comarca de Araraquara, reconheceu, pela primeira vez em sua história, a prática de homicídio doloso (quando o réu assume o risco de causar a morte) e não culposo (sem intenção de matar) de um motorista acusado de dirigir embriagado e em alta velocidade. Antônio Celso de Paula, hoje com 65 anos, foi responsabilizado por colidir um Kadett ano 93, placas de Nova Europa, contra uma Belina ano 79, na Rodovia Leonardo Cruz, estrada vicinal que liga Gavião Peixoto a Nova Europa, no dia 8 de março de 2009, levando à morte um senhor e seu neto ainda bebê.

O carro atingido era ocupado por uma família que voltava de Borborema e morava no Cecap, em Araraquara. Antonio Joaquim Neto, 48, e o neto Anderson Henrique Barbosa Joaquim, de 2 meses, morreram. A mãe do menino, Graziela Cristina Barbosa, e a esposa de Antônio, Rosangela Morelli Joaquim, ficaram feridas. O filho dela também estava no carro, mas saiu ileso.

Antônio Celso de Paula foi condenado a oito anos de reclusão pelo acidente. "Os jurados entenderam que ele assumiu o risco de matar ao assumir o volante embriagado. Laudos clínicos e de exame de sangue também comprovaram o excesso de álcool", diz o promotor Herivelto de Almeida, do Ministério Público (MP).

O tempo de um ano, quatro meses e nove dias de prisão cumpridos pelo condenado em regime fechado no Centro de Detenção Provisória (CDP), em Araraquara, contou na execução da pena. Por isso o juiz José Roberto Bernardi Liberal, do Tribunal do Júri, a transformou em uma espécie de prisão domiciliar. O condenado deve assinar, a cada 30 dias, a liberdade no Fórum, mas isso só aconteceu porque o motorista já tinha passado o tempo estipulado pela lei atrás das grades. Caso contrário, sairia do Fórum direto para a Penitenciária.

Para o promotor, a condenação do motorista é histórica e minimiza a sensação de impunidade por parte da população.
Inesquecível
Mulher e avó das vítimas fatais do acidente, Rosângela sabe da importância da punição como forma de evitar mais acidentes desta natureza porque, segundo ela, o motorista sabia sim do risco de pegar a estrada embriagado. "Ele indo ou não para a cadeia, sinceramente, não vai mudar nada, não vai trazer o meu marido e o meu neto de volta. Esse tipo de coisa que aconteceu comigo a gente jamais esquece."
‘Foi uma fração de segundo; jamais pensei em matar alguém’
Condenado por homicídio doloso por ter causado o acidente com duas mortes em 2009, Antônio Celso de Paula diz relembrar frequentemente o instante da colisão. "Foi uma fração de segundo. Jamais pensei em matar alguém. Era noite, escuro, eu nem sabia quem vinha do outro lado", diz Paula, que é administrador de um sítio na zona rural de Nova Europa e, na ocasião, voltava de um churrasco em Araraquara.

"Eu atravessei porque perdi o controle ao desviar de algo na pista. Acho que era uma capivara", conta. "Nunca pensei que uma coisa desta iria acontecer comigo."

O homem simples e de fala mansa admite ter bebido algumas cervejas no dia do acidente, mas nega a embriaguez. "Mesmo assim me arrependo de ter pegado a estrada, sofro com isso e só agora, depois de um tempo, comecei a ter coragem de dirigir porque fiquei traumatizado."

O tempo de prisão - um ano e quatro meses - ainda permanece marcado na sua memória. "É algo que eu nunca vou esquecer. Hoje, tenho hanseníase e acho que peguei isso lá dentro", conta de Paula, que prefere não ficar falando sobre a condenação.

Se ele acha que o crime doloso foi muito severo? Acha sim: "Não quis fazer aquilo. Foi um acidente, uma fatalidade."

‘Não foi de propósito, mas ele acabou com a minha família’
Graziela Cristina Barbosa, de 26 anos, estava no banco traseiro da Belina momento do acidente e não esquece os detalhes. No colo dela estava o filho Anderson Henrique, de 2 meses. Ao lado, a sogra Rosângela. Na frente, o marido, de quem está separada hoje, e o então sogro, Antônio Joaquim. "Foi tudo muito rápido. Não vi nada. Quando percebi, estava presa nas ferragens, vendo meu então marido ferido, meu bebê caído no chão e meu sogro morto."

As cenas passam como um filme na cabeça da jovem, que permaneceu cinco dias internada, fez várias cirurgias e demorou mais de dois meses para voltar a andar.

Ela só ficou sabendo da morte do filho recém-nascido no dia seguinte ao acidente. "Uma das coisas que mais sinto é não ter conseguido me despedir do meu filho. Penso nisso todos os dias", conta. Hoje ela tem outro menino, Cauã, também com 2 meses atualmente, mas mantém uma foto de Anderson na parede.

Sobre a sentença inédita, acha que foi feita Justiça, mas tnão muda o que ocorreu. "Não foi de propósito, mas ele acabou com a minha família. Não morri porque não era a vontade de Deus", diz Graziela, que se apega ao novo filho para encarar a dor. "Um dia, em um sonho, o Anderson apareceu avisando que eu teria um novo bebê. Dias depois, descobri que estava grávida."
Para jurista, lei continua precária

O jurista e cientista criminal Luiz Flávio Gomes acredita que a legislação é precária e deficiente. "Dois pontos chamam a atenção: a redação equivocada, que exige certa quantidade de álcool por litro de sangue (0,6 decigramas), e a inexistência de critérios seguros para se distinguir o homicídio culposo do doloso. "Para ele, o enquadramento depende muitas vezes da dimensão da tragédia. "Falta uma lei que descreva a condução homicida e o desapreço pela vida alheia", diz Gomes. "A sensação de impunidade é grande."

ARARAQUARA.COM

Portal Araraquara Hoje

Criado com a intenção de unificar as notícias mais importantes de Araraquara, região, Brasil e mundo.Créditos da imagem: Núcleo de Artes Visuais de Araraquara